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Participação do setor privado é chave para ampliar saneamento básico no Brasil

Participação do setor privado é chave para ampliar saneamento básico no Brasil

https://www1.folha.uol.com.br/mercado
/2018/09/participacao-do-setor-privado-
e-chave-para-ampliar-saneamento-basico-
no-brasil.shtml

País ocupa 112º lugar entre 200 países em ranking mundial de saneamento

Sem recursos privados, o Brasil não conseguirá ampliar a cobertura de serviços de água e esgoto e atingir as metas de universalização definidas no Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab 2013). 

A constatação é unanimidade não só entre representantes de empresas privadas, mas também entre especialistas de concessionárias públicas.

Para atingir a universalização, seriam necessários investimentos de R$ 15 bilhões a R$ 22 bilhões por ano até 2033. 

O nível de investimentos atual, no entanto, é de 0,18% do PIB, quando seria necessário 0,44%. Em 2017, foram investidos R$ 11,8 bilhões em saneamento, sendo R$ 2,6 bilhões de empresas privadas. 

Na prática, a parceria público-privado tem se mostrado promissora: apesar de representarem apenas 6% do mercado, as companhias particulares respondem hoje por 20% de todo o investimento em saneamento, segundo a Abcon, associação das empresas privadas de água e esgoto.

“Essa participação é desestimulada por uma combinação de insegurança jurídica e imprevisibilidade regulatória”, diz Claudio Frischtak, consultor e sócio da Inter.B, especializada em infraestrutura.

É aí que entra a medida provisória 844, enviada em julho ao Congresso.  As novas regras, que alteram o marco legal do saneamento básico, devem trazer mais segurança jurídica e atrair mais investimentos privados, com maior desenvolvimento e inovação.

“Com essa movimentação do marco regulatório, identificamos interesse de fundos canadenses, espanhóis, coreanos e de Cingapura”, diz Rogério Tavares, vice-presidente de relações institucionais da Aegea, companhia privada de saneamento que atende 7,6 milhões de pessoas em 11 estados brasileiros.

BRASIL É UM DOS ÚLTIMOS EM RANKING MUNDIAL DE SANEAMENTO 

O Brasil ocupa a 112ª posição no ranking de saneamento básico feito entre 200 países. O índice brasileiro de cobertura é menor que os de Equador, Chile, Honduras, Argentina e que o da média de países do norte da África.

Os dados mais atualizados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, o SNIS, do Ministério das Cidades, mostram que 17% da população —35 milhões de pessoas— não têm acesso à rede de água e cerca de metade dos brasileiros não são atendidos por coleta de esgoto. 

“Mais de 80% dos municípios têm menos de 50 mil habitantes e não têm condições de gerar projetos, abrir edital e fazer planos de saneamento”, explica Teresa Vernaglia, presidente da BRK Ambiental (antiga Odebrecht Ambiental), controlada pela canadense Brookfield. 

A empresa atende 15 milhões de pessoas por meio de 14 contratos de concessão e participa de sete PPPs (Parcerias Público Privadas), além de outros modelos de negócios.

Para os próximos cinco anos, anunciou investimentos de R$ 7 bilhões em tratamento e distribuição de água e esgoto nas 180 cidades em que atua, em 12 estados.

Uma das cidades que recebeu investimento foi Uruguaiana (RS), atendida desde 2011. Em sete anos, a cobertura de esgoto cresceu de 8% para 94% e deve chegar a 100% em 2019.

“Um grande volume de municípios faz contrato com empresas estaduais e o investimento não acontece. As companhias têm quadros capacitados, mas muitas vezes o Estado não tem condições financeiras”, afirma Teresa Vernaglia, da BRK Ambiental. 

Na análise da executiva, isso abre espaço para as empresas públicas fazerem PPPs com as companhias estaduais.

Mas, para especialistas, a atração da iniciativa privada passa obrigatoriamente pelas novas regras propostas na medida provisória 844, com a unificação da regulação e simplificação da lei ambiental.

Com a MP, a ANA (Agência Nacional das Águas) passa a ser o órgão federal responsável por regular a área de saneamento, padronizar as normas de prestação de serviço e qualidade, controlar as tarifas e mediar conflitos entre as partes, o que evitaria a judicialização no segmento.

Há hoje 49 agências nas esferas municipal, estadual, intermunicipal e distrital, cada uma com modelos próprios de regulação. “Essa fragmentação aumenta os riscos na percepção de quem quer investir”, diz a pesquisadora Juliana Smiderle, da FGV Ceri (Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura).

Ela ressalta que as agências vão continuar existindo, mas quem não cumprir as regras da ANA não terá acesso a recursos do governo ou financiamento de bancos públicos.

MEDIDA PROVISÓRIA ANALISA MUDANÇAS NA LICITAÇÃO DOS SERVIÇOS

A criação de um comitê interministerial para discutir políticas públicas e recursos em nível federal é outra questão prevista na MP. Hoje o tema envolve sete ministérios.

Com mais segurança jurídica, a entrada de recursos privados no setor pode ser facilitada, avalia Percy Soares Neto, diretor de relações internacionais da Abcon.

“Existe um apetite de fundos de investimento pelo segmento no Brasil”, concorda Rogério Tavares, vice-presidente de relações institucionais da Aegea.

Na visão do executivo, um dos pontos mais relevantes da MP é a isonomia competitiva nos contratos. 

A medida obriga que os contratos de programa (feitos pelas cidades com operadores públicos) apresentem as mesmas cláusulas exigidas nos contratos de concessão (feitos com empresas privadas): metas, prazos e penalidades no descumprimento. 

“Isso significa que quem não trabalhar direito poderá ser substituído por outra operadora. Essa transparência induz à melhoria da eficiência operacional no setor, como no caso de redução de perdas na distribuição de água”, destaca Rogério Tavares. 

Outra mudança de grande impacto para o setor privado —e questionada por entidades do setor público— é o artigo que muda a forma como os municípios podem contratar os serviços.

Hoje, uma prefeitura faz um acordo com uma companhia pública sem precisar abrir uma licitação, que é exigida por lei somente quando o município quer contratar uma empresa privada.

Com a MP, a concorrência passa a ser obrigatória nos dois casos. Assim, ao vencer o prazo do contrato de uma cidade com uma concessionária estadual, não poderá haver a renovação automática do serviço. A prefeitura tem de abrir chamamento público.

Para Roberval Tavares de Souza, presidente da Abes (Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental), isso irá causar uma desestruturação no setor.

 “As empresas privadas vão se interessar por regiões mais atrativas. Vai piorar a situação dos municípios mais carentes, que hoje têm o serviço de saneamento custeado por subsídio cruzado”, diz.

Por esse sistema, empresas estatais, como por exemplo a Sabesp, financiam investimentos em regiões pobres com recursos arrecadados nas cidades mais ricas. 

Para as entidades do setor público, o que se pretende fazer na prática é “separar o filé mignon do osso”, como já declarou Roberto Cavalcanti Tavares, presidente da Aesbe, entidade que reúne as empresas estaduais de saneamento.

Na análise do consultor Claudio Frischtak, da Inter.B, cidades menores poderiam se associar para ganhar escala e licitar seus serviços de forma consorciada. “É uma forma de manter o filé com o osso”, diz.

Segundo Édison Carlos, presidente do Instituto Trata Brasil, outra alternativa é a cidade não precisar aderir à norma que a obriga a abrir concorrência, quando ficar provado que a política de subsídio cruzado na sua região funciona. “Essas soluções ainda podem ser propostas pelo governo ou incluídas na MP.”

A discussão que tem de ser feita não é do público versus privado, diz Carlos. “A situação do país é urgente. O setor público passa por uma grave crise fiscal e é preciso ter uma abertura maior para investimentos, para pensar no cidadão”, afirma. 

“O usuário tem de ter água tratada, sete dias por semana, sem racionamento. Tem de ter esgoto coletado e tratado; não importa qual a empresa que está provendo o serviço”, diz.

“Para cada real investido em saneamento, economiza-se mais de quatro reais em saúde pública. Sem contar que a universalização do esgoto e da água pode reduzir em 6,8% o atraso escolar”, completa.

A MP também define uma multa aos usuários que não se conectarem à rede de esgoto, quando ela estiver disponível. Isso ocorre em algumas áreas para fugir do pagamento da tarifa.

A medida provisória precisa ser votada pelo Congresso, que poderá fazer alterações ou simplesmente rejeitá-la, até novembro. Caso contrário, terá de ser reapresentada no ano que vem pelo próximo presidente.

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